quarta-feira, 22 de janeiro de 2014


  MUDAR NA ADVERSIDADE 

Passado um ano sobre a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, ou seja, o Estatuto do Aluno e Ética Escolar, os Regulamentos Internos de muitas escolas demonstram, de forma inesperada(?), uma preocupação crescente em integrar orientações para além das preconizadas naquele normativo, delineando planos de ação específicos, nomeadamente no que se refere a questões disciplinares. Se por um lado, aparentemente, a Lei não passou do papel – ou melhor, passou para o papel dos Regulamentos Internos ou para as suas versões informatizadas, acrescidas de mais alguns artigos e novas secções – por outro lado a sua aplicação prática continua a ser, em muitos casos, pouco benéfica, sendo evidentes as fragilidades de medidas corretivas e sancionatórias face às necessidades sentidas pela escola atual.
O sistema educativo surge deste modo como uma resposta permanentemente incompleta, já que as opções e estratégias adotadas num determinado espaço e tempo sociopolíticos pressupõem uma coerência social que é ilusória, colocando desde logo em causa a sua eficácia. A impossibilidade de isolar a ação pedagógica dos universos sociais envolventes é evidente; está confirmada a interferência de variáveis sociais, culturais e familiares, entre outras, no percurso escolar dos alunos e em particular em situações disruptivas; os vários estudos, interpretações e conclusões sobre esta questão continuam a destacar a importância das relações interpessoais, a comunicação e o trabalho cooperativo como decisivos, tendo como denominador comum, central e primordial o aluno.
No Agrupamento de Escolas de Castelo de Vide, na sequência de processo de autoavaliação e à semelhança do que acontece em tantos outros agrupamentos do país, uma das ações de melhoria definidas visa a Promoção do Comportamento Cívico por parte dos alunos. Assim, uma equipa de pessoal docente e pessoal não docente delineou um plano de ação onde se propôs, entre outras estratégias, a implementação de uma Comissão de Mediação Multidisciplinar, inspirada no artigo 35º do Estatuto do Aluno – Equipas Multidisciplinares. Se a sua constituição nos parece facilmente realizável, a operacionalização, em contrapartida, vacila com a mesma facilidade. Como conseguir resultados numa zona empobrecida, cujo tecido socioeconómico, institucional e empresarial é limitado, onde se sentem de forma brutal as desvantagens da interioridade e da ruralidade?
Adicionalmente, a relação do professor com todos os elementos da comunidade educativa não dispõe de tempo/espaço suficiente para ser promovida, refletida, com base em orientações fundamentadas e com vista à construção de sentidos e significados especialmente dirigidos aos alunos, sendo apreendidos pelo professor, na maior parte dos casos, a partir da sua experiência. Considerando o seu contexto pessoal, familiar e social, subsistem apenas raros momentos de partilha de interesses, por exemplo com alunos, dificultando a criação de um clima de empatia, revelador do professor/pessoa, do aluno/pessoa, que se sabe ser determinante na boa prossecução dos objetivos do processo de formação, face à quase inexistência daqueles momentos.
A resiliência do professor acaba assim por ser, essencialmente, o motor de combustão da relação com o aluno, baseada em diversos paradigmas, particularmente no que se refere às atitudes e comportamentos. De acordo com modelos definidos no contexto particular da indisciplina, o perfil do docente parece oscilar cada vez mais entre a cooperação e a acomodação ou até mesmo a evitação. Por outro lado, o caráter preventivo da sua atuação limita-se quase sistematicamente à designada prevenção primária, “aguardando-se” comportamentos que requeiram intervenção corretiva, passando-se diretamente à prevenção terciária. Neste âmbito em particular, parece-nos urgente a introdução de programas específicos de intervenção em mediação e resolução de conflitos em contexto escolar, legalmente enquadrados, de modo uniforme, alargado e continuado, com recursos humanos devidamente preparados, sob pena das soluções e boas práticas existentes continuarem a constituir um monopólio reservado a zonas dotadas de mais e melhores condições e recursos.
É neste contexto que o Agrupamento de Escolas de Castelo de Vide cria no corrente ano letivo a Comissão de Mediação Multidisciplinar, consciente das problemáticas antes referidas, mas motivado pela crença que é possível mudar na adversidade. O seu objetivo é contribuir tanto quanto possível ao nível da mediação escolar, enquadrada em termos de prevenção secundária, funcionando em espaço específico, com horário, recursos humanos, atribuições e atividades definidas. Deste modo, revelamos aqui os seus primeiros passos, primeiros constrangimentos e apelamos à participação de todos quantos queiram colaborar connosco no desenvolvimento de atividades em parceria, através de uma intervenção sustentada e cooperativa, que permita alcançar o objetivo traçado: a melhoria do comportamento cívico dos nossos alunos.

Isabel Graça
Agrupamento de Escolas de Castelo de Vide