MUDAR NA ADVERSIDADE
Passado um ano sobre a publicação e entrada em vigor da Lei n.º 51/2012,
de 5 de setembro, ou seja, o
Estatuto do Aluno e Ética Escolar, os Regulamentos Internos de muitas escolas
demonstram, de forma inesperada(?), uma preocupação crescente em integrar
orientações para além das preconizadas naquele normativo, delineando planos de
ação específicos, nomeadamente no que se refere a questões disciplinares. Se
por um lado, aparentemente, a Lei não passou do papel – ou melhor, passou para
o papel dos Regulamentos Internos ou para as suas versões informatizadas,
acrescidas de mais alguns artigos e novas secções – por outro lado a sua
aplicação prática continua a ser, em muitos casos, pouco benéfica, sendo
evidentes as fragilidades de medidas corretivas e sancionatórias face às
necessidades sentidas pela escola atual.
O sistema educativo surge deste modo como uma resposta permanentemente
incompleta, já que as opções e estratégias adotadas num determinado
espaço e tempo sociopolíticos pressupõem uma coerência social que é ilusória,
colocando desde logo em causa a
sua eficácia. A impossibilidade de isolar a ação pedagógica dos universos sociais
envolventes é evidente; está confirmada a
interferência de variáveis sociais, culturais e familiares, entre outras, no
percurso escolar dos alunos e em particular em situações disruptivas;
os
vários estudos, interpretações e conclusões sobre esta questão continuam a destacar a
importância das relações interpessoais, a comunicação e o trabalho cooperativo
como decisivos, tendo como denominador comum, central e primordial o aluno.
No Agrupamento de Escolas de Castelo de Vide, na sequência de processo
de autoavaliação e à semelhança do que acontece em tantos outros agrupamentos do país, uma das ações de melhoria definidas
visa a Promoção do Comportamento Cívico por parte dos alunos. Assim, uma equipa
de pessoal docente e pessoal não docente delineou um plano de ação onde se
propôs, entre outras estratégias, a implementação de uma Comissão de Mediação
Multidisciplinar, inspirada no artigo 35º do Estatuto do Aluno – Equipas
Multidisciplinares. Se a sua constituição nos parece facilmente realizável, a
operacionalização, em contrapartida, vacila com a mesma facilidade. Como
conseguir resultados numa zona empobrecida, cujo tecido socioeconómico,
institucional e empresarial é limitado, onde se sentem de forma brutal as desvantagens da interioridade e da
ruralidade?
Adicionalmente, a relação do professor com todos os elementos da
comunidade educativa não dispõe de tempo/espaço suficiente para ser promovida,
refletida, com base em orientações fundamentadas e com vista à construção de
sentidos e significados especialmente dirigidos aos alunos, sendo apreendidos
pelo professor, na maior parte dos casos, a partir da sua experiência.
Considerando o seu contexto pessoal, familiar e social, subsistem apenas raros
momentos de partilha de interesses, por exemplo com alunos, dificultando a criação de um clima de empatia,
revelador do professor/pessoa, do aluno/pessoa, que se sabe ser determinante na
boa prossecução dos objetivos do processo de formação, face à quase
inexistência daqueles momentos.
A resiliência do professor acaba assim por ser, essencialmente, o motor
de combustão da relação com o aluno, baseada em diversos paradigmas,
particularmente no que se refere às atitudes e comportamentos. De acordo com
modelos definidos no contexto particular da indisciplina, o perfil do docente
parece oscilar cada vez mais entre a cooperação e a acomodação ou até mesmo a
evitação. Por outro lado, o caráter preventivo da sua atuação limita-se quase sistematicamente
à designada prevenção primária, “aguardando-se” comportamentos que requeiram
intervenção corretiva, passando-se diretamente à prevenção terciária. Neste
âmbito em particular, parece-nos
urgente a introdução de programas específicos de intervenção em mediação e
resolução de conflitos em contexto escolar, legalmente enquadrados, de modo
uniforme, alargado e continuado, com recursos humanos devidamente preparados,
sob pena das soluções e boas práticas existentes continuarem a constituir um
monopólio reservado a zonas dotadas de mais e melhores condições e recursos.
É neste contexto que o
Agrupamento de Escolas de Castelo de Vide cria no corrente ano letivo a
Comissão de Mediação Multidisciplinar, consciente das problemáticas antes
referidas, mas motivado pela crença que é possível mudar na adversidade. O seu
objetivo é contribuir tanto quanto possível ao nível da mediação escolar,
enquadrada em termos de prevenção secundária, funcionando em espaço específico,
com horário, recursos humanos, atribuições e atividades definidas. Deste modo, revelamos aqui os seus primeiros passos,
primeiros constrangimentos e apelamos à participação de todos quantos queiram
colaborar connosco no desenvolvimento de atividades em parceria, através de uma
intervenção sustentada e cooperativa, que permita alcançar o objetivo traçado: a
melhoria do comportamento cívico dos nossos alunos.
Isabel Graça
Agrupamento de Escolas de Castelo de Vide